CONCEITO ESPÍRITA DE EVOLUÇÃO
A teoria da evolução constitui-se hoje numa das grandes conquistas
da humanidade. Seus princípios, lançados por Darwin há mais de 150 anos,
permanecem atuais, ainda que suas concepções no campo da genética estejam
ultrapassadas. Foi a formulação teórica mais influente e perene do século 19,
maior do que a marxista e a kardecista. Nem as teorias de Freud, formuladas
pouco tempo depois, foram tão influentes quanto a do naturalista inglês, que
hoje divide com Wallace a primazia dessa tese genial.
As religiões monoteístas são as maiores inimigas do evolucionismo,
pois ele derruba os principais dogmas sustentadores do seu edifício teológico.
O criacionismo tenta juntar os cacos da teologia cristã através do design
inteligente, de debates com cientistas adeptos do evolucionismo, da influência
na política escolar, num confronto entre ateus e deístas. Kardec, que não era
nem um pouco
ingênuo, percebeu no evolucionismo uma teoria que veio para ficar, ainda que
ela se chocasse com suas concepções lamarckianas acerca da origem da vida. Até
o fim de sua existência ele foi adepto da teoria da geração espontânea, bem
como da fenologia. Sustentou posições conservadoras em relação à mulher, à raça
negra e aos movimentos políticos de esquerda. Isso não diminui o seu valor. Apenas
demonstra que era um homem de seu tempo, sujeito aos condicionantes
psicológicos, culturais e políticos como qualquer ser humano.
O
espiritismo, assim como o budismo e o hinduísmo, para citar duas religiões bem
conhecidas, não entra em confronto com as teses evolucionistas. Ao contrário, a
teoria evolucionista é uma grande aliada, pois a filosofia espírita marcha lado
a lado com a ciência, e passa ao largo do embate entre criacionistas e
evolucionistas.
Todavia,
o espiritismo, de certa forma, é criacionista pois admite que tudo começou pela
intervenção, pela “vontade” de uma Inteligência Superior, mas também é
evolucionista pois admite a continuidade evolutiva entre os animais e o homem.
Trata-se de um paradoxo. Como é possível ser evolucionista e criacionista ao
mesmo tempo?
O
deísmo espírita não se choca com o evolucionismo. A ideia de Deus no
espiritismo não é suficiente para ser tachado de criacionista, pois concilia
criação e evolução, no dizer do escritor espírita Deolindo Amorim: “Não seria
Deus, pela sua mão, o executor do trabalho, como se alguém, na condição de
pessoa física, viesse tirar o homem brutal da caverna e colocá-lo na situação
atual de um ser aperfeiçoado”. “Deus não força a evolução pois ela se realiza
por leis adequadas dentro de condições próprias.”
Kardec
afirmou por diversas vezes que as ideias espíritas são antigas e disseminadas
em muitas culturas e religiões da antiguidade. Deus, espírito, reencarnação,
imortalidade são conceitos existentes. A novidade é o tratamento experimental
sob critérios científicos na observação minuciosa dos fenômenos medianímicos
que até então eram considerados sobrenaturais e portanto inacessíveis à
investigação científica. Nesse sentido, o estudo sistematizado e metodológico
da mediunidade e o conceito espírita de evolução são duas novidades no campo do
espiritualismo onde a filosofia espírita se insere.
O
evolucionismo espírita é único, singular, original. Diferencia-se do hinduísmo
porque descarta o karma, o fatalismo e a metempsicose. Distancia-se do
evolucionismo monista e panteísta do filósofo espiritualista italiano Pietro
Ubaldi e do conceito budista de nirvana, por supervalorizar o livre-arbítrio, a
individualidade do ser humano, elevando-o à condição de artífice de seu próprio
destino. Na concepção evolutiva do espiritismo, o espírito não perde jamais a
sua individualidade, mesmo quando supera o estágio hominal e torna-se espírito
puro. Ele não se integra ao todo como uma gota no oceano, deixando de ser
espírito para retornar às origens, ao início de sua escalada evolutiva segundo
o anacrônico conceito da queda espiritual.
Essa
evolução se processa em dois mundos, no físico e no extrafísico, sem a primazia
de nenhum deles. São apenas momentos na evolução, sujeitos ao tempo e ao espaço.
Nesse aspecto, o evolucionismo espírita se diferencia também do evolucionismo
roustainguista, que admite a queda do espírito e a evolução somente no mundo
extrafísico, sem a necessidade da reencarnação.
A
palingênese é o mecanismo evolutivo da vida imortal e perene. Encarnamos e
reencarnamos porque existimos e não porque somos culpados ou sujeitos a algum
tipo de queda espiritual como vemos na teologia cristã, no ubaldismo e no
roustainguismo.
Conceitos
semelhantes ao evolucionismo espírita iremos encontrar no pensamento do
metapsiquista francês Gustave Geley e na filosofia céltica, analisada com muita
propriedade pelo Druida de Lyon.
Na
Revista Espírita, Kardec faz um interessante estudo intitulado O Espiritismo
entre os Druidas, onde compara as ideias espíritas com a filosofia céltica,
demonstrando as afinidades filosóficas entre ambas. A propósito, o nome Allan
Kardec, segundo revelação do espírito Zéfiro, seu protetor, teria sido o nome
de uma das encarnações de Rivail entre os druidas, na Bretanha, ao tempo de
César. Essa informação se incorporou à cultura espírita através da tradição
oral. Basta lembrar que o túmulo do fundador do espiritismo tem o formato de um
dólmen, semelhante aos monumentos megalíticos onde os druidas celebravam os
seus rituais de iniciação e de fertilidade.
As
coincidências entre o celtismo e o espiritismo são admiráveis. No evolucionismo
céltico a alma tem que atravessar três círculos evolutivos: Abred (existências
corpóreas sujeitas ao determinismo biológico e palingenético), Gwenved (existência
fora do determinismo, não há reencarnação) e Keugant. (espaço somente
acessível ao Criador, ao Eterno É). O ser inicia sua trajetória a partir do Anufn
(abismo), ponto de partida de todas as almas, cuja origem também é
desconhecida. Como na filosofia espírita, não existe involução. Há uma marcha
ascendente, contínua, até o ser tornar-se perfeito, pleno de sabedoria, de amor
e felicidade. Mas isso seria tema para outros estudos...
Eugenio Lara é
arquiteto e design gráfico. Coeditor do site PENSE - Pensamento Social Espírita
[www.viasantos.com/pense],
membro-fundador do CPDoc - Centro de Pesquisa e Documentação Espírita,
expositor do ICKS - Instituto Cultural Kardecista de Santos e do Centro
Espírita Allan Kardec, de Santos.
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