"O Espiritismo respeita todas as religiões e doutrinas, valoriza todos os esforços para a prática do bem e trabalha pela confraternização e pela paz entre todos os povos e entre todos os homens, independentemente de sua raça, cor, nacionalidade, crença, nível cultural ou social. Reconhece, ainda, que “o verdadeiro homem de bem é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade, na sua maior pureza”.

sábado, 16 de junho de 2012


CONCEITO ESPÍRITA DE EVOLUÇÃO

  
A teoria da evolução constitui-se hoje numa das grandes conquistas da humanidade. Seus princípios, lançados por Darwin há mais de 150 anos, permanecem atuais, ainda que suas concepções no campo da genética estejam ultrapassadas. Foi a formulação teórica mais influente e perene do século 19, maior do que a marxista e a kardecista. Nem as teorias de Freud, formuladas pouco tempo depois, foram tão influentes quanto a do naturalista inglês, que hoje divide com Wallace a primazia dessa tese genial.

As religiões monoteístas são as maiores inimigas do evolucionismo, pois ele derruba os principais dogmas sustentadores do seu edifício teológico. O criacionismo tenta juntar os cacos da teologia cristã através do design inteligente, de debates com cientistas adeptos do evolucionismo, da influência na política escolar, num confronto entre ateus e deístas. Kardec, que não era nem um pouco ingênuo, percebeu no evolucionismo uma teoria que veio para ficar, ainda que ela se chocasse com suas concepções lamarckianas acerca da origem da vida. Até o fim de sua existência ele foi adepto da teoria da geração espontânea, bem como da fenologia. Sustentou posições conservadoras em relação à mulher, à raça negra e aos movimentos políticos de esquerda. Isso não diminui o seu valor. Apenas demonstra que era um homem de seu tempo, sujeito aos condicionantes psicológicos, culturais e políticos como qualquer ser humano.

O espiritismo, assim como o budismo e o hinduísmo, para citar duas religiões bem conhecidas, não entra em confronto com as teses evolucionistas. Ao contrário, a teoria evolucionista é uma grande aliada, pois a filosofia espírita marcha lado a lado com a ciência, e passa ao largo do embate entre criacionistas e evolucionistas.

Todavia, o espiritismo, de certa forma, é criacionista pois admite que tudo começou pela intervenção, pela “vontade” de uma Inteligência Superior, mas também é evolucionista pois admite a continuidade evolutiva entre os animais e o homem. Trata-se de um paradoxo. Como é possível ser evolucionista e criacionista ao mesmo tempo?

O deísmo espírita não se choca com o evolucionismo. A ideia de Deus no espiritismo não é suficiente para ser tachado de criacionista, pois concilia criação e evolução, no dizer do escritor espírita Deolindo Amorim: “Não seria Deus, pela sua mão, o executor do trabalho, como se alguém, na condição de pessoa física, viesse tirar o homem brutal da caverna e colocá-lo na situação atual de um ser aperfeiçoado”. “Deus não força a evolução pois ela se realiza por leis adequadas dentro de condições próprias.”

Kardec afirmou por diversas vezes que as ideias espíritas são antigas e disseminadas em muitas culturas e religiões da antiguidade. Deus, espírito, reencarnação, imortalidade são conceitos existentes. A novidade é o tratamento experimental sob critérios científicos na observação minuciosa dos fenômenos medianímicos que até então eram considerados sobrenaturais e portanto inacessíveis à investigação científica. Nesse sentido, o estudo sistematizado e metodológico da mediunidade e o conceito espírita de evolução são duas novidades no campo do espiritualismo onde a filosofia espírita se insere.

O evolucionismo espírita é único, singular, original. Diferencia-se do hinduísmo porque descarta o karma, o fatalismo e a metempsicose. Distancia-se do evolucionismo monista e panteísta do filósofo espiritualista italiano Pietro Ubaldi e do conceito budista de nirvana, por supervalorizar o livre-arbítrio, a individualidade do ser humano, elevando-o à condição de artífice de seu próprio destino. Na concepção evolutiva do espiritismo, o espírito não perde jamais a sua individualidade, mesmo quando supera o estágio hominal e torna-se espírito puro. Ele não se integra ao todo como uma gota no oceano, deixando de ser espírito para retornar às origens, ao início de sua escalada evolutiva segundo o anacrônico conceito da queda espiritual.

Essa evolução se processa em dois mundos, no físico e no extrafísico, sem a primazia de nenhum deles. São apenas momentos na evolução, sujeitos ao tempo e ao espaço. Nesse aspecto, o evolucionismo espírita se diferencia também do evolucionismo roustainguista, que admite a queda do espírito e a evolução somente no mundo extrafísico, sem a necessidade da reencarnação.

A palingênese é o mecanismo evolutivo da vida imortal e perene. Encarnamos e reencarnamos porque existimos e não porque somos culpados ou sujeitos a algum tipo de queda espiritual como vemos na teologia cristã, no ubaldismo e no roustainguismo.

Conceitos semelhantes ao evolucionismo espírita iremos encontrar no pensamento do metapsiquista francês Gustave Geley e na filosofia céltica, analisada com muita propriedade pelo Druida de Lyon.

Na Revista Espírita, Kardec faz um interessante estudo intitulado O Espiritismo entre os Druidas, onde compara as ideias espíritas com a filosofia céltica, demonstrando as afinidades filosóficas entre ambas. A propósito, o nome Allan Kardec, segundo revelação do espírito Zéfiro, seu protetor, teria sido o nome de uma das encarnações de Rivail entre os druidas, na Bretanha, ao tempo de César. Essa informação se incorporou à cultura espírita através da tradição oral. Basta lembrar que o túmulo do fundador do espiritismo tem o formato de um dólmen, semelhante aos monumentos megalíticos onde os druidas celebravam os seus rituais de iniciação e de fertilidade.

As coincidências entre o celtismo e o espiritismo são admiráveis. No evolucionismo céltico a alma tem que atravessar três círculos evolutivos: Abred (existências corpóreas sujeitas ao determinismo biológico e palingenético), Gwenved (existência fora do determinismo, não há reencarnação) e Keugant. (espaço somente acessível ao Criador, ao Eterno É). O ser inicia sua trajetória a partir do Anufn (abismo), ponto de partida de todas as almas, cuja origem também é desconhecida. Como na filosofia espírita, não existe involução. Há uma marcha ascendente, contínua, até o ser tornar-se perfeito, pleno de sabedoria, de amor e felicidade. Mas isso seria tema para outros estudos...


Eugenio Lara é arquiteto e design gráfico. Coeditor do site PENSE - Pensamento Social Espírita [www.viasantos.com/pense], membro-fundador do CPDoc - Centro de Pesquisa e Documentação Espírita, expositor do ICKS - Instituto Cultural Kardecista de Santos e do Centro Espírita Allan Kardec, de Santos.

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