Desastres e resgates coletivos:
Incêndio em Santa Maria/RS
Quando olhamos para o mundo à nossa volta, parece-nos que se
multiplicam as catástrofes, os desastres, os cataclismos. Em um momento como
este, em que todas as atenções estão voltadas para o Incêndio ocorrido na casa noturna "KISS" em Santa Maria/RS,
provocando a morte de mais de 230 pessoas, a atenção
fica mais desperta, e os questionamentos são vários, e envolvem até a Justiça
(ou para alguns, a injustiça) Divina.
O Espiritismo, enquanto doutrina libertadora, progressista e
evolutiva, e por isso mesmo considerada consoladora, objetiva auxiliar-nos a
entender o porquê dos acontecimentos de nosso dia-a-dia, inclusive dos mais
trágicos. Assim, via entendimento da Lei Natural e da Justiça Divina, obtém-se a
conseqüente aplicação desses princípios no cotidiano, favorecendo sua vivência,
promovendo a coerência entre o crer e o agir.
Frente a situações como essa vivenciada na madrugada do dia 27 de janeiro de
2013, alguns questionamentos são usuais, como, por exemplo: Por que acontece
esse tipo de coisas? Qual a finalidade desses acidentes que causam a morte
conjunta de várias pessoas? Como a Justiça Divina pode ser percebida nessas
situações? Por que algumas pessoas escapam?
Naturalmente, as respostas exigem reflexão aprofundada com
base em princípios fundamentais do Espiritismo, como a multiplicidade das
encarnações e a anterioridade do Espírito. Esses pontos somam-se ao fato de que
nós, enquanto Espíritos em processo evolutivo, temos um passado de
descumprimento da lei divina que precisa ter seu rumo corrigido não apenas para
equacionar nossos problemas de consciência, mas também para nos harmonizar com
nossos semelhantes, afetados pelas nossas ações de desvirtuamento da Lei.
Ao entendermos o que a Doutrina Espírita tem a dizer sobre o
assunto, começamos a perceber a profundidade da reflexão que deve ser adotada
por cada um de nós em nosso dia-a-dia e o papel a ser assumido de observadores
da Sociedade, em substituição à postura usual de críticos e questionadores.
Começamos, assim, a conhecer o caminho para aplicação
dinâmica e prática em nosso dia-a-dia da Doutrina que abraçamos, pela análise do
mundo e sua transformação, percebendo a profundidade de conceitos como
fatalidade, resgate coletivo, regeneração do planeta, além de favorecer o
entendimento de ensinamentos de Jesus relacionados àquilo que alguns chamam de
sinais dos tempos.
Fatalidade como causa?
Fatalidade, destino, azar são palavras sempre lembradas em
situações como essa. Mas que conceitos estão por trás dessas palavras? Em "O
Livro dos Espíritos", as questões de 851 a 867 tratam de fatalidade, e, entre
outras informações, destaca-se o fato de que "a fatalidade só existe no tocante
à escolha feita pelo Espírito, ao se encarnar, de sofrer esta ou aquela prova;
ao escolhê-la ele traça para si mesmo uma espécie de destino, que é a própria
conseqüência da posição em que se encontra" (LE 851).
Mais à frente (LE 853), está dito que "fatal, no verdadeiro
sentido da palavra, só o instante da morte. Chegado esse momento, de uma forma
ou de outra, a ele não podeis furtar-vos". A questão seguinte (LE 853a) melhor
explica esse ponto, frisando que quando é chegado o momento de retorno para o
Plano Espiritual, nada "te livrará" e freqüentemente o Espírito também sabe o
gênero de morte por que partirás daqui, "pois isso lhe foi revelado quando fez a
escolha desta ou daquela existência". Não esquecer, jamais, que "somente os
acontecimentos importantes e capazes de influir na tua evolução moral são
previstos por Deus, porque são úteis à tua purificação e à tua instrução" (LE
859a).
Como vemos, a fatalidade só existe como algo temporário
frente à nossa condição de imortais com a finalidade de realinhamento de rumo.
No entanto, essa situação não é engessada. Graças à Lei de Ação e Reação e ao
Livre-Arbítrio, o homem pode evitar acontecimentos que deveriam realizar-se,
como também permitir outros que não estavam previstos (LE 860).
Fatalidade, destino, azar são palavras que não combinam com a
Doutrina Espírita, da mesma forma que a sorte daqueles que escapam desse tipo de
situação – e em acidentes como esse do dia 17 de julho de 2007, sempre há os
relatos daqueles que desejavam pegar o avião e não conseguiram; daqueles que
estavam à porta do prédio atingido pela aeronave e não sofreram nada além do
susto; e tantos outros.
Então, para a Doutrina Espírita, como se explicam casos como
esse? A resposta está no resgate coletivo, conceito que envolve a correção de
rumo de um grupo de Espíritos que em alguma outra encarnação cometeu atos
semelhantes – e muitas vezes em conjunto – de descumprimento da lei divina e
que, portanto, para individualmente terem a consciência tranqüilizada, precisam
sanar o débito. Toda a problemática, nesse caso, está no trabalho dos mentores
na reunião desses Espíritos de modo a que juntos possam se reajustar frente à
Lei Divina.
Impulsionar o progresso: a meta
O resgate de nossas ações contrárias à Lei Divina, ao Bem e
ao Amor pode ocorrer de várias formas, inclusive coletivamente. O objetivo,
segundo LE 737, é "fazê-lo avançar mais depressa" e as calamidades "são
freqüentemente necessárias para fazerem com que as coisas cheguem mais
prontamente a uma ordem melhor, realizando-se em alguns anos o que necessitaria
de muitos séculos". Além disso (LE 740), "são provas que proporcionam ao homem a
ocasião de exercitar a inteligência, de mostrar sua paciência e sua resignação
ante a vontade de Deus, ao mesmo tempo em que lhe permitem desenvolver os
sentimentos de abnegação, de desinteresse próprio e de amor ao próximo".
E assim, entendemos o sentimento de solidariedade que essas
calamidades despertam, auxiliando todos a desenvolver o amor. O importante para
os mais diretamente envolvidos, para que tenham o progresso devido, como está
dito em "O Evangelho Segundo o Espiritismo", capítulo 14, item 9, é "não falir
pela murmuração", pois "as grandes provas são quase sempre um indício de um fim
de sofrimento e de aperfeiçoamento do Espírito, desde que sejam aceitas por amor
a Deus".
Nesta frase selecionada no
"O Evangelho Segundo o Espiritismo"
está uma informação de cabal importância: indício de aperfeiçoamento do
espírito. E qual seria o objetivo prático de tudo isso e como esses fatos atuam
em nosso progresso, com que finalidade?
A resposta está na Lei do Progresso, que determina ao homem o
progresso incessante, sem retrocesso, no campo intelectual e moral; cada um há
seu tempo, seguindo seu ritmo próprio, sendo que "se um povo não avança bastante
rápido, Deus lhe provoca, de tempo em tempos, um abalo físico ou moral que o
transforma" (LE 783).
Como vemos, o progresso se faz, sempre, e quando estamos
atravancando-o, Deus, em sua infinita bondade e justiça, lança mão de
instrumentos que nos impulsionem à frente. O objetivo é nos levar a cumprir a
escala evolutiva, saindo de nossa condição de Espíritos imperfeitos moralmente
para a de espíritos regenerados, até atingirmos a condição de Espíritos puros.
Essa transposição de imperfeito moralmente para regenerado
marca a atual fase de transição que vivenciamos, plena de flagelos destruidores,
de calamidades, de acidentes com grande número de mortos.
Nos evangelhos segundo Mateus, Marcos e João, há várias
referências aos sinais precursores de uma transformação no estado moral do
Planeta, caracterizada pelo anúncio de calamidades diversas que atingirão a
humanidade e dizimarão grande número de pessoas, para que, na seqüência, ocorra
o reinado do bem, sejam instituídas a paz e a fraternidade universal,
confirmando a predição de que após os dias de aflição virão os dias de alegria.
O que é anunciado nessas passagens evangélicas não é o fim do
mundo de forma absoluta e real, mas o fim deste mundo que conhecemos, em que o
mal aparentemente se sobrepõem ao bem, e, como afirma Allan Kardec em "A
Gênese", capítulo 17, item 58, "o fim do velho mundo, do mundo governado pela
incredulidade, pela cupidez e por todas as más paixões a que o Cristo alude".
Para que esse novo mundo se instale (GE capítulo 18), é
fundamental que a população seja preparada para habitá-lo. Para tanto, teremos,
todos nós, de equacionar alguns problemas de nosso passado, construindo nosso
progresso moral. Não há transformação sem crise, e catástrofes e cataclismos são
crises que agitam a humanidade, despertando-a para a solidariedade, a
fraternidade, o bem.
Temos, então, de ver a humanidade como "um ser coletivo no
qual se operam as mesmas revoluções morais que em cada ser individual" (GE,
capítulo 18 item 12).
Nesse contexto, a fraternidade será a pedra angular da nova
ordem social, com o progresso moral, secundado pelo progresso da inteligência
assegurando a felicidade dos homens sobre a Terra.
Para que possamos habitar esse novo mundo, não temos de nos
renovar integralmente. Segundo Kardec (GE capítulo 18 item 33), "basta uma
modificação nas disposições morais", e, para isso, temos de equacionar débitos
do passado e nos conscientizarmos de nossa condição de espíritos imortais
perfectíveis, em fase de desenvolvimento de nossas potencialidades.
Como forma de acelerar esse processo de modificação da
disposição moral, a presente fase é marcada pela multiplicidade das causas de
destruição, até como forma de estimular em nós o desenvolvimento de nossas
potencialidades no bem, pois "o mal de hoje há de ser o bem de amanhã. Somente a
educação do Espírito poderá libertá-lo do mal, dando-lhe condições de alçar os
mais altos vôos no plano infinito da vida. O importante em tudo isso é mantermos
a serenidade, olharmos para a frente, divisarmos o futuro, pois "a marcha do
Espírito é sempre crescente e ascendente. É preciso descobrir quanto bem se é
capaz de fazer agora para que o próprio crescimento não se detenha" (Portásio).
Em todo ser humano, como ressalta o Espírito Clelie
Duplantier, em "Obras Póstumas", "há três caracteres: o do indivíduo ou do ente
em si mesmo, o do membro da família e o do cidadão. Sob cada uma dessas três
fases, pode ele ser criminoso ou virtuoso; isto é, pode ser virtuoso como pai de
família e criminoso como cidadão, e vice-versa".
Além disso, pode-se admitir como regra geral que todos os que
se ligam numa existência por empenhos comuns, já viveram juntos, trabalhando
para o mesmo fim e se encontrarão no futuro, até expiarem o passado ou cumprirem
a missão que aceitaram.
O papel de cada um
Essas calamidades – se olharmos para elas sob o ponto de
vista espiritual, fundamentando nossa reflexão nos princípios da Doutrina
Espírita – têm, portanto, objetivos saneadores que, conforme Joanna de Ângelis,
removem as pesadas cargas psíquicas existentes na atmosfera e significam a
realização da justiça integral, pois a Justiça Divina, para nosso re-equilíbrio,
recorre a métodos purificadores e liberativos, de que não nos podemos furtar.
Assim, tocados pelas dores gerais, ajudemo-nos e oremos,
formando a corrente da fraternidade e estaremos construindo a coletividade
harmônica, sempre lembrando a advertência de Hammed: "a função da dor é ampliar
horizontes para realmente vislumbrarmos os concretos caminhos amorosos do
equilíbrio. Como o golpe ao objeto pode ser modificado, repensa e muda também
tuas ações, diminuindo intensidades e freqüências e recriando novos roteiros em
sua existência". Desse modo, estaremos utilizando nossos problemas como
ferramenta evolutiva, não nos perdendo em murmurações, mas utilizando nosso
livre-arbítrio como patrimônio.
O progresso de todos os seres da criação é o objetivo de tudo
que acontece. Tenhamos a consciência desperta e procuremos entender o mundo à
nossa volta, cientes de que a solidariedade é o verdadeiro laço social, não só
para o presente, mas, como está em "Obras Póstumas", "estende-se ao passado e ao
futuro, pois que os mesmos indivíduos se encontram e se encontrarão para juntos
seguirem as vias do progresso, prestando mútuo concurso. Eis o que faz
compreender o Espiritismo pela eqüitativa lei da reencarnação e da continuidade
das relações entre os mesmos seres".
E mais: Graças ao Espiritismo, compreende-se hoje a justiça
das provações desde que as consideremos uma amortização de débitos do passado.
As faltas coletivas devem ser expiadas coletivamente pelos que juntos as
praticaram, e os mentores estão sempre trabalhando, ajudando a todos nós,
reunindo-nos em grupos de forma a favorecer a correção de rumo, amparando-nos e
nos fortalecendo para darmos conta daquilo a que nos propomos, além de nos
equilibrarem para podermos auxiliar o outro com nossos pensamentos positivos,
nossos melhores sentimentos e vibrações.
Fontes de consulta
ÂNGELIS, Joanna de.
Após a tempestade, texto Calamidades, psicografia de Divaldo
Pereira Franco. Alvorada
HAMMED. Renovando
Atitudes, texto Crenças e carmas, psicografia de Francisco do
Espírito Santo Neto. Boa Nova
KARDEC, Allan. Obras Póstumas, Primeira Parte, Questões e Problemas - Expiações
coletivas. Lake
KARDEC, Allan. A
Gênese, capítulos 17 e 18. Lake
KARDEC, Allan. O
Evangelho Segundo do Espiritismo, capítulo 14, item 9. Lake
KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos – questões 100 a 113; 737 a 741; 776 a 802; 851 a 867.
Lake
PORTÁSIO, Manuel. Fora da Educação não há salvação, capítulos: Educação pela dor;
Educação para o bem e Educação e renovação. DPL
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